Quase 160 quilômetros separam as casas da técnica de campo Suélei Reis e da produtora rural Marcilene Matoso. A primeira mora em Natércia, no Sul de Minas; a segunda entre as montanhas da Serra dos Garcias, na zona rural de Aiuruoca. Distância que não foi suficiente para evitar que o caminho dessas duas mulheres se cruzasse.
Em 2021, Marcilene viu uma postagem sobre a inauguração de um programa de agricultura familiar no Sindicato de Produtores Rurais de Baependi. Não pensou duas vezes. Viúva desde 2014, mãe de dois filhos pequenos e morando com o pai que também era viúvo, ela precisava de apoio para alavancar a produção de queijo, uma atividade que a família desenvolve há mais de 70 anos.
“Por morarmos longe da cidade, em um lugar de difícil acesso, a vida toda fizemos queijos. Porém, na virada do ano para 2015, meu marido faleceu de forma repentina, vítima de um AVC. Ficamos arrasados! Ainda assim, após a morte dele, continuamos a tirar leite, fazer o queijo, mas tudo ficou muito difícil, pois sou filha única, meu pai também era viúvo e com idade avançada. Decidimos, então, vender as vacas, deixamos apenas os bezerros e voltamos para a cidade, pois meus filhos eram muito pequenos na época, o menino com 11 anos e a menina com sete”, conta.
A experiência não deu muito certo! Na cidade, os filhos sentiam falta da liberdade do campo e o pai desenvolveu uma depressão. Ela, então, decidiu voltar para o sítio e insistir na venda dos queijos. Foi quando se cadastrou no programa oferecido pelo sindicato e, algum tempo depois, a técnica Suélei bateu em sua porta para apresentar a Assistência Técnica e Gerencial (ATeG).
De lá pra cá, Suélei e Marcilene descobriram muitas coisas em comum: a renda vinda das atividades do agro, os desafios da maternidade e a vontade de crescer.
Suélei conta que há cada 15 dias deixa os dois filhos pequenos (Murilo de sete e Marina de três) com a sogra e percorre a zona rural das cidades de Baependi, Aiuruoca e Alagoa para compartilhar, com os produtores rurais cadastrados, a metodologia de gestão do ATeG Agroindústria. Formada em Medicina Veterinária e com especialização em Ciência dos Alimentos, ela conta que sempre empreendeu na área, trabalhando em laticínio, frigorífico e, aos finais de semana, fazendo o próprio queijo. Experiência e conhecimento que fizeram com que a técnica enxergasse o potencial do queijo produzido pela Marcilene.
“O local onde a Marcilene e o pai dela, seu Lico, produziam o queijo era impecável, limpo e organizado, mas eles davam o queijo para um atravessador por apenas R$23,00 o quilo. No começo, houve um receio de abrir mão do comprador e oferecer o produto diretamente aos clientes. Porém, tudo que eu apresentava a Marcilene ela estava sempre atenta e eu dizia que estávamos ali para trabalharmos juntas. Hoje, eles vendem o mesmo queijo por R$40,00 sem um atravessador”, Suélei conta orgulhosa.
O aumento de quase 74% no valor do queijo artesanal da Mantiqueira que a família da Marcilene produz e a venda direta, sem um atravessador, foram alguns dos benefícios que o ATeG trouxe para a vida da família.
Hoje, além da venda do Queijo Lico Matoso, eles também estão investindo em abelhas sem ferrão e em um chalé, alugado para turistas, já que Aiuruoca é um destino procurado por pessoas que gostam de montanhas e curtir o sossego do campo.
Quando pergunto a Marcilene o que ela deseja de agora em diante, ela responde rápido: “Quero continuar agregando valor ao queijo que minha família produz para que os meus filhos, hoje adultos, possam dar continuidade ao nosso negócio”.
Empreendedoras femininas no agro
Em 2014, a Organização das Nações Unidas (ONU) instituiu 19 de novembro como o Dia do Empreendedorismo Feminino. Mais de 150 países aderiram à data que busca promover a igualdade de gênero, uma das metas previstas nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Atualmente, o ATeG atende 2.187 produtoras rurais. Nos cinco primeiros lugares estão a bovinocultura de leite com 656 produtoras rurais atendidas; a cafeicultura com 587 mulheres; a bovinocultura de corte com 330 produtoras; a olericultura com 205 produtoras e, em quinto lugar, a agroindústria com 149 produtoras rurais.
De acordo com o último Censo Agropecuário, realizado pelo IBGE em 2017, “em dez anos, a participação da mulher no agronegócio saltou 46% em Minas Gerais. Em 2006, 59,3 mil negócios rurais eram gerenciados por mulheres no estado. Em 2017, o número já era 86,7 mil. De 2006 para 2017, houve um aumento de 28% no número de mulheres á frente dos negócios do segmento.